CARTA ABERTA SOBRE O PROCESSO DE DESESTATIZAÇÃO DO ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL DE SÃO PAULO

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CARTA ABERTA SOBRE O PROCESSO DE DESESTATIZAÇÃO DO ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL DE SÃO PAULO

Chamou a atenção da comunidade arquivística brasileira a matéria que Guilherme
Amado, jornalista que vem cobrindo a política e o crime organizado em nosso país,
publicou em 14 de agosto no periódico digital Metrópoles. Com manchete bombástica –
“São Paulo estuda transferir Arquivo Municipal para iniciativa privada” -, a matéria
sugere a precariedade das condições em que vive a instituição, comparando-a com a
Cinemateca (a mais recente vítima do descaso governamental); e evoca um edital que,
tendo sido publicado em 2020, demanda agora providências administrativas que
reforçam a ideia de privatização.
O edital de chamamento público n. 23 da Secretaria de Governo do Município de São
Paulo, divulgado em 2020, abria à iniciativa privada, de fato, a execução de “serviços de
digitalização e microfilmagem, preservação digital e gestão documental-arquivística,
incluindo a eventual remodelagem ou requalificação das edificações, a administração
predial e exploração imobiliária do Arquivo Público do Município de São Paulo”. A esse
grande leque de atividades, todas elas inerentes às incumbências de uma entidade
precipuamente devotada à gestão dos documentos acumulados pelo exercício do poder
público, não cabe a desculpa jurídica de que correspondem a ações meramente
instrumentais e subsidiárias em relação às finalidades do organismo e, portanto,
passíveis de terceirização. No caso dos arquivos públicos essa argumentação não
procede: as atividades-meio convencionais convertem-se em finalísticas, assumindo o
caráter de funções inerentes às categorias abrangidas pelo plano de cargos da entidade.
Não é possível ignorar ainda que, em se tratando de arquivos públicos, grande parte dos
servidores se reveste da chamada fé pública, isto é, da confiança que o Estado atribui a
determinados agentes cujos atos têm sua autenticidade e legalidade presumidas.
A situação dramática do Arquivo Municipal de São Paulo não se limita à falta de verbas,
à ausência de concursos para prover a instituição de técnicos ou às precárias instalações
que abrigam seu acervo. Há ainda problemas de natureza administrativa que é preciso
contornar. A importante atividade de gerenciar os documentos que resultam da missão
da Câmara, da Intendência e da Prefeitura no atendimento às demandas sociais de
serviços da população de São Paulo, do século XVI aos dias de hoje, é exercida por órgãos
de distintas subordinações e com evidentes duplicidades funcionais. O decreto nº
57.783, de 2017, que dispõe sobre a política de gestão documental e o sistema de
arquivos do município de São Paulo, quebrou o padrão até então vigente nas instituições
públicas brasileiras: retirou do arquivo permanente, por razões que não ficaram
esclarecidas, o papel de órgão central do sistema. Todos sabem que a ferramenta
sistêmica é uma estratégia para fazer com que entidades de diferentes graus
hierárquicos e subordinações possam se articular de maneira horizontal para cumprir
determinados objetivos comuns. A produção documental de uma megalópole como São
Paulo, por mais complexa que nos pareça em sua magnitude, não escapa à regra:
compreende todas as fases do ciclo vital dos documentos gerados pela administração
direta e indireta ao longo do tempo. O controle desse processo, que envolve
classificação, avaliação, guarda temporária, eliminação, guarda definitiva, descrição e
difusão de documentos, numa perspectiva sistêmica, deve ser exercido pelo órgão que,
na extremidade final do ciclo, dispõe de uma perspectiva temporal cumulativa e
panorâmica. O decreto acabou por conferir à Coordenadoria de Gestão Documental, da
Secretaria Municipal de Gestão, o papel de órgão central do sistema, deixando ao
Arquivo Histórico Municipal, da Secretaria Municipal de Cultura, um lugar de mero
coadjuvante. Permitiu, inclusive, o aparecimento de um Arquivo Público Municipal no
lugar do órgão que cumpria as funções de arquivo intermediário. Mais do que a
ambiguidade provocada pelo aparecimento de outro órgão com perfil similar, o fato
sugere a transformação do Arquivo Histórico Municipal em vitrine de papéis antigos,
sem nenhum protagonismo no ingente esforço de representar e comprovar os atos da
municipalidade de São Paulo em seus quase quinhentos anos de história.
Como representantes da comunidade arquivística no Conselho Consultivo do Arquivo
Histórico Municipal, gostaríamos de obter respostas a nossas inquietações quanto ao
futuro da instituição.

São Paulo, 18 de agosto de 2021.

Ana Maria de Almeida Camargo (USP)
Ana Célia Navarro de Andrade (ARQ-SP)
Sonia Troitiño (UNESP-Marília)
Marcelo Antonio Chaves (APESP)

CARTA ABERTA – SITUAÇÃO ARQUIVO MUNICIPAL

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