Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 2022
Sr. Ricardo Borda D´Água de Almeida Braga
Diretor-Geral do Arquivo Nacional
Presidente do Conselho Nacional de Arquivos
A Constituição Federal de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, consagrou inúmeros direitos políticos, civis e sociais aos brasileiros e brasileiras. Naquele contexto de redemocratização do país, o direito de acesso à informação e a definição sobre a responsabilidade da administração na gestão da documentação governamental, bem como, as providências para franquear sua consulta aos que necessitem, foram decisões coerentes com a construção da democracia. Naquela oportunidade, o Arquivo Nacional teve importante atuação para que essas obrigações do Estado e direitos dos cidadãos fossem garantidos no texto constitucional e alguns anos depois, integrassem a Lei de Arquivos (Lei n.8159 de 08/01/1991), marco das políticas arquivísticas do país.
Ao longo de mais de três décadas, as instituições arquivísticas, entre elas o Arquivo Nacional, o Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), as universidades, as associações profissionais e entidades científicas e culturais, tem atuado para garantir esses direitos e dotar o poder público de recursos e instrumentos que lhe permitam cumprir com sua função. Nesse período, a implementação da Lei de Acesso a Informação (LAI), de 2011, que regulamenta o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações públicas, foi recebida como poderoso dispositivo legal de fortalecimento da cidadania, da transparência e do Estado Democrático de Direito.
Recentemente, o Fórum Nacional de Ensino e Pesquisa em Arquivologia (FEPARQ), por meio de Nota Pública, manifestou sua preocupação com a notícia sobre a decisão judicial que determinou a “anonimização” das menções ao ex-coronel da Polícia Militar de Pernambuco, Olinto de Sousa Ferraz, em documentos produzidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) e disponibilizados pelo Arquivo Nacional. Vale dizer, com reflexos danosos na integridade de documentos de natureza arquivística e informações públicas. Ato igualmente realizado pela Associação Nacional de História (ANPUH) que publicou em sua página no Facebook uma manifestação de desagravo ao fato.
Há poucos dias, como se não bastassem tais acontecimentos, as instituições, a comunidade profissional e as entidades científicas, foram tomadas de grande surpresa com a notícia de uma decisão da Justiça que determina supressão de conteúdo e adultera relatório da Comissão da Verdade do Paraná custodiado pelo Arquivo Nacional com a intenção de “salvaguardar” a reputação do ex-governador do Paraná, Ney Braga.
A decisão oriunda do Poder Judiciário — desta vez ocorrida em 2017 — determinou a adulteração de documentos custodiados em caráter permanente pelo Arquivo Nacional. E o mais grave: a Justiça não apenas decidiu que a instituição deveria suprimir trechos de documentos, como também impôs a inclusão de novas páginas em relatório recolhido meses antes.
Ao lado da gravidade dessas decisões do Judiciário nos parece preocupante a conduta das seguidas direções do Arquivo Nacional e do Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ) que não vieram a público relatar, denunciar tais fatos. Houve questionamento ou tentativa de reverter tais decisões absurdas? O assunto foi tratado no CONARQ? Quais os instrumentos da Advocacia Geral da União foram acionados? O Ministério Público Federal tomou ciência? A sociedade precisa estar informada dos fatos, das ações e das medidas adotadas pelos gestores da principal instituição arquivística do país.
Nesse sentido, o Fórum Nacional de Ensino e Pesquisa em Arquivologia, o Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do Brasil e a Associação Nacional de História vêm pedir à direção-geral do Arquivo Nacional que venha a público trazer os fatos relacionados a questões que afetam diretamente o dever do Estado na preservação e difusão do patrimônio documental do país e na garantia do direito de acesso à informação. Acreditamos que a atual direção do Arquivo Nacional e presidência do CONARQ não se omitirá e não será conivente com ações de apagamento e adulteração da memória documental, as quais não podem ser admitidas por qualquer instituição, profissional ou cidadão que possua compromissos éticos e democráticos com seu país e seu povo.
Cordialmente,
Fórum Nacional de Ensino e Pesquisa em Arquivologia (FEPARQ)
Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do Brasil (FNArq)
Associação Nacional de História (ANPUH)
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